Durante muito tempo, me sentia culpada por tudo. Como se tudo o que desse errado fosse minha responsabilidade. Eu me moldava para agradar, me anulava para ser aceita — e nem percebia. Acreditava que ser assim era ser “boa”, ser merecedora de amor.
Quando a ficha cai
Mas um dia, em uma conversa, caiu a ficha: eu não era culpada. Era uma criança. E fui usada.
Fui usada para agradar adultos. Colocaram promessas em cima de mim para decidir com quem eu ficava. Me fizeram mentir numa audiência, sem que eu sequer entendesse o que era verdade ou certo. Carreguei a culpa disso por anos. A culpa de uma decisão que nunca deveria ter estado sobre os ombros de uma criança.
As marcas invisíveis
Crescer nesse ambiente bagunçado, onde os adultos que deveriam me proteger me colocavam no meio de seus conflitos, deixou marcas profundas. Na época, não sabia que aquilo era manipulação. Só sentia que havia algo errado comigo: me sentia suja, culpada, confusa. E cresci assim.
Hoje, adulta, enxergo claramente o reflexo disso.
Reconheço isso na forma como me sinto inferior quando meu marido conversa demais com alguma mulher. Também percebo na dor que surge quando acho que ele olhou para outra. No medo constante de ser trocada. No impulso de acreditar que tudo é culpa minha. Na vergonha que senti ao ouvir colegas dizerem que eu tinha mania de perseguição por achar que estavam tramando contra mim. E ainda, na vontade constante de me justificar, de pedir desculpas, de nunca ser um peso.
Só agora percebo: isso não é um defeito. É consequência.
A carta que inicia a cura
E por isso resolvi escrever para ela — a criança que fui.

Carta para minha criança interior:
“Oi, pequena.
Eu sei que você está aí, caladinha, com medo de incomodar. Sei que se pergunta o tempo todo o que fez de errado. E quero te dizer: você não fez nada de errado.
Você era só uma menina tentando agradar os adultos ao seu redor. E isso é normal, sabia? Porque criança não sabe o que é certo ou errado como um adulto sabe. Criança quer agradar. Quer ser amada. Quer ser vista. Criança confia.
E você confiou. Usaram a sua confiança. Mas isso não foi culpa sua.
Sinto muito que tenha apanhado tanto, trabalhado tanto, sentido tanta fome e medo. Sinto muito que tenham feito você se sentir errada, suja, invisível.
Mas eu estou aqui agora. Cresci, e vejo você. Acredito em você. E não vou mais te deixar sozinha com esse peso. Pode chorar, pode sentir. Agora você tem colo. E amor. E voz.
Te amo pra sempre.
Com carinho,
Eu mesma.”
Acolher é o começo da liberdade
Escrever essa carta não apaga o que aconteceu. Mas começa a curar. Porque não precisamos mais carregar sozinhas a dor da criança que fomos. Podemos acolher, abraçar, oferecer o amor que ela merecia. E, aos poucos, libertar a mulher que somos hoje da culpa que nunca foi dela.
Um desabafo necessário
Este texto é um desabafo. Não é algo aleatório que simplesmente me veio à mente agora. É uma dor real, profunda, com raízes antigas e uma história longa — que talvez, um dia, eu tenha coragem de contar por completo. Cada linha aqui escrita carrega lembranças que ainda ecoam, às vezes silenciosas, outras vezes gritantes. E, mesmo reconhecendo minha dor, não deixo de pensar nas tantas crianças que enfrentaram situações ainda mais difíceis, que passaram por experiências cruéis e injustas. Isso me dói também. Mas hoje, eu precisava dizer sobre a minha história. Dar voz ao que por tanto tempo ficou calado. Porque falar — mesmo que em silêncio — também é uma forma de cura.
Aviso importante: O conteúdo deste artigo é de caráter informativo e reflexivo, com o objetivo de promover o autoconhecimento e o bem-estar emocional. No entanto, não substitui a orientação de um profissional qualificado. Se você estiver passando por dificuldades emocionais, psicológicas ou de qualquer outra natureza, recomendamos que procure o auxílio de um psicólogo, terapeuta ou outro profissional de saúde especializado.